quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A top model que aprendeu a esquecer ( O desfile mais marcante da SPFW )

Um excelente texto! Maravilhoso!

br.mulher.yahoo.com/blogs/n%C3%A3o-%C3%A9-voce-sou-eu/a-top-model-que-aprendeu-a-esquecer-o-desfile-mais-120332034.html  

Gilberto Amendola, 38 anos, jornalista, dramaturgo (mais ou menos) e escritor (bem mais ou menos). Solteiro,1,75 de altura, barriga sob controle, tem dias de bom moço, romântico de segunda à quarta-feira e fracassado no Tinder. Procuro garota que...não pera aí!!! .
O aprendizado mais duro foi no Japão. Ela se lembra dos gritos da tutora nas aulas de postura, de um furtivo tapa na cara e no choro quase que diário.
Disciplinada, fingia não ter saudade de casa. Nunca falava da família na frente das outras meninas, era como se a vida tivesse começado aos 14 anos.
O primeiro namorado havia ficado pra trás; a coleção de bonecas havia sido doada para uma instituição de caridade; o macarronada da mãe era um pecado que ela sequer ousava pensar e ir ao campinho assistir uma partida de futebol com o pai talvez fosse uma lembrança falsa - dessas que a gente inventa para eventuais emergências.
Depois, teve a fase Paris. Foi estranho. As modelos eram cada vez mais magras, não uma magreza saudável, mas algo quase cadavérico, assustador, no limite da vida.
Naquele tempo, ainda não havia experimentado heroína, mas precisava se comportar como se tomasse picos com regularidade.
No meio em que circulava, bulimia era a coisa mais natural do mundo. Levantar-se da mesa depois do jantar para vomitar no banheiro pegava até bem. Nos principais restaurantes da cidade foram instalados “vomitórios”, espaços exclusivos, separados dos toilets tradicionais.
A cara de aborrecimento era uma exigência contratual. De maneira nenhuma, jamais, ela poderia aparecer sorrindo em uma foto. Ser simpática era ser caipira, era ser aquilo que ela era aos 13 anos, quando ainda brincava na praça com os primos, em Presidente Prudente.
Em Paris, ganhou um certo status, mas o sucesso chegou mesmo em Nova York. Foi capa de revistas conceituadas, convidada para participar dos talk shows mais tradicionais da TV americana, fez ponta num filme do Tarantino, namorou um senador Republicano e virou budista.
Foi em NY que recebeu a notícia da morte do pai. Infelizmente, não pode voltar para o enterro do velho. Ela já havia confirmado presença na vernissage de um badalado artista plástico holandês - e, definitivamente, não pegaria bem faltar ao evento.
Neste dia, manteve uma foto do pai na bolsa Prada que levava a tiracolo. Vez ou outra, fugia para o banheiro e chorava vendo o retrato do velho carregando-a de cavalinho.
Já de madrugada, numa festa privê, no apartamento de um hair stylist coreano, distraiu-se e acabou usando a mesma foto amarelada do pai brincando de cavalinho para enfileirar carreiras de cocaína.
Do dia que saiu de casa até agora se passaram cinco anos. E essa era a primeira vez que ela iria pisar em uma passarela no Brasil.
A imprensa fez o carnaval habitual, os fotógrafos perseguiram-na dia e noite, compromissos comerciais, ações de marketing e uma mistura de badalação com atos de caridade. Nunca se abraçou tanta criança com câncer, idosos com Alzheimer e ex-viciados em crack que estavam estudando para o ENEM.
Seu corpo foi considerado um patrimônio nacional. Ela era a cara do País que deu certo, nossa embaixadora, nossa salvação.
E ela era a estrela da SPFW.
Depois de três ou quatro passos, percebeu que na plateia estava sua mãe (que mesmo sem enxergar direito colecionava tudo o que era publicado sobre a filha); uma prima que nunca havia saído de Presidente Prudente (e que só por milagre não foi barrada pela segurança- já que usava um vestido baratinho e constrangedor de tão pobre); e, puta sacanagem, o primeiro namorado.
Toninho também não saiu de Prudente. Se tornou um homem bom, trabalhador, sem grandes dilemas na vida. Um tédio de pessoa- tudo que ela precisava evitar.
Era melhor que eles não tivessem vindo. Ela iria, com certeza, visitá-los na surdina, sem imprensa, sem ter que dar explicações e aparecer na capa da Vanity Fair com sua família exótica.
Apertou o passo. Queria que o desfile terminasse logo, queria pegar um avião, queria uns dias de sossego em Berlim.
Foi quando ouviu o grito da mãe: “Bernardete, eu te amo”!
A plateia VIP reagiu do modo que se esperava: com ironia.
Bernardete, nome que ela já havia trocado faz tempo, tentou fingir que não era com ela, mas a mãe insistiu no grito e nos aplausos efusivos.
O público agora nem segurava a risada. A coisa virou uma onda de gargalhadas - que só aumentou quando a prima de vestidinho pobre se levantou e começou a fazer um coração com as mãos em direção de Bernardete.
O único que não esboçou reação foi o Toninho.
Vermelha de raiva, Bernardete terminou o desfile. Não quis falar com ninguém na saída. Nem com a família. Um maquiador contou aos jornais que ela estava muito abalada - e que no camarim chegou a quebrar dois espelhos.
Em nota oficial, a assessoria de imprensa da top model desmentiu o maquiador, mas também avisou que ainda não sabe quando ela voltará a desfilar no Brasil. Ou como estava escrito, em destaque, no final da nota: “… não sabe quando voltará a desfilar neste País de merda que ela tanto ama”. 

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Esse texto de Gilberto Amendola é tudo de excepcional.
Eu me vi ali. Minha história de vida é diferente, mas a semelhança com a personagem está no final: enquanto melhorava economicamente e profissionalmente, sua história de vida era duramente apagada e ela mesma, perdia sua identidade. 
Sempre me questiono se fiz as escolhas certas. Embora não saiba quais as certas, acho que fiz as erradas. Claro que nem tudo deu errado, mas o tamanho da área desmatada em meu coração me sinaliza que errei bem mais que acertei. Tenho muitas marcas, e sei que sou jovem demais para tantas. 
Abri o blog por 2 motivos: um já falei no texto de abertura, não quero repetir. O segundo: já que na minha vida tudo o que eu verdadeiramente sonhei deu errado, então eu decidi poder levar tudo de bonito e bom a outras mulheres. Que pelo menos a vida das outras mulheres fosse diferente da minha. 
Saí da casa de meus pais cedo. Para estudar, para ser alguém. E era disciplinada e persistente, tal qual a personagem. Tornei-me boa aluna, e achava que já era meio caminho andado para meu sucesso. 
Com pouca idade comecei a trabalhar e a ganhar bem. Para  melhorar o salário, fui fazer pós graduação numa universidade de prestígio. Mudei de cidade. Já havia mudado outras vezes, várias vezes meu mundinho já tinha sido desmontado, amigos e lembranças sempre ficaram para trás. Mas as coisas estavam indo bem na minha vida. Quando então conheci um bom e divertido rapaz, apaixonante, mas que fazia coisas ruins às vezes, como falsificar meus cheques.   E é claro que tudo ruiu.  E é claro que os erros não foram só dele, apenas que os dele foram incontornáveis. Quase 10 anos jogados fora, minha casinha (alugada), mas que eu amava, foi desfeita. De novo meu mundo foi desmontado. Só que desta vez doeu muito. Eu gostava daquela vidinha, daquela casinha, daquele carrinho... Tudo era simples, mas era meu número.
Aí me mudei de novo, para bem longe. E esta parte da minha vida ficou tão pior, que às vezes acho que Deus não se lembra de mim. Conheci pessoas que não valeram a pena, no trabalho também. Até conhecer meu marido - alguém que amo de verdade, mas com quem o convívio foi lastimável até outro dia. Perdi duas gestações, meu pai faleceu (e eu pouco o visitava em razão da distância), vivo com 3 cachorros que amo, mas me fazem sentir refém deles. Não engravido mais...
Nem sei porque estou viva. Continuo porque meu pai era um bravo lutador, nasceu muito pobre e de uma forma duramente honesta, venceu. Aprendi a ser assim. E da mesma forma que a personagem, era com esse pai que eu gostava de assistir futebol no clube quando criança. 
Depois que saí de casa, achei que voltaria melhor. 
Nunca mais voltei para a casa de meus pais (hoje só de minha mãe), exceto visitas. 
E minha vida nunca mais foi boa. Como acho que nunca mais será.
Vivo num lugar que não é de minha identidade. Vivo como dá.
Até a morte chegar. 


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